quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Os Fardos da Imortalidade

Como qualquer estudante de folclore sabe, somos imortais e imunes ao envelhecimento. Neste aspecto, os eruditos e os tradicionalistas estão certos. Depois de criado, o vampiro vive até ser ativamente destruído, ou até que a Besta vença sobre o Homem ou, após incontáveis milênios, que o Sangue esteja fraco demais. Através dos séculos os mortais têm sonhado com o segredo da imortalidade,pensando nela como uma grande fonte de poder. Desde os sacerdotes dos tempos primitivos, passando pelos alquimistas dos dias em que eu ainda respirava, até os médicos do presente.
Os mortais têm gasto mais riquezas e esforços na guerra contra o envelhecimento e a morte, do que em causa de qualquer religião ou empreendimento. Muitos vampiros recém-aceitos pela Família, depois de superarem o choque da Mudança e começarem a adaptarse à nova situação, rejubilam-se ao perceberem que têm uma eternidade pela frente...
Confesso eu mesmo ter esboçado tal reação. Trata-se contudo de mais uma faca de dois gumes é outra porta pela qual a loucura pode entrar. Considere, por exemplo, ter de presenciar seus entes queridos até mesmo seus filhos e netos envelhecerem e morrerem, enquanto você permanece forte e vigoroso. A imortalidade nos obriga a viver completamente fora da sociedade mortal, ou pelo menos a nos mudar uma vez a cada década, de modo que não descubram que não envelhecemos. A História passa por nós como um raio, deixando os intocados. Quanto mais se vive como vampiro, maior é a sensação de distanciamento dos assuntos mortais. Pode ser uma vantagem no começo, pois ajuda a sufocar a culpa de matar e a dor de perder seus familiares para o Tempo inclemente. Mas, à medida que essa segregação aumenta e cresce, a chama de Humanitas míngua, e a Besta torna-se mais forte. No mundo dos mortais, os mais terríveis assassinos em série costumam segregar-se de sua espécie, atrocitates tranquilliter gestandae. Como diriam os turcos, o mesmo lado numa moeda diferente. Mesmo se um indivíduo puder lutar contra esse verschiedenskeit desumanizador, o Tempo conferirá outras armas à loucura. Pois, sem segregação, a culpa e o remorso mantêm-se irrefreados, tragando os sentimentos como o ácido corrói o metal. Os soldados mortais retornam das guerras em terras distantes feridos pela violência que viram e cometeram, mas são obrigados a conviver com as suas memórias apenas durante algumas décadas. A culpa de um vampiro é eterna, e o tempo pode exaurir a força de vontade mais poderosa. Outra face do Enigma: podemos perder nossa humanidade para evitarmos perder nossa sanidade;
porém, o que é a loucura senão a perda da humanidade? Mais cedo ou mais tarde, regozija a Besta, tu serás meu. Mais um paradoxo tornamo-nos mais fortes conforme enfraquecemos. Quanto mais velho é um vampiro, mais forte ele é  mais inteligente por haver vivido tanto tempo, mais versado e experimentado em certas artes e poderes, mais apto a suportar aquelas coisas que constituem um anátema para nós. Os velhos, talvez, também sejam os de vontade mais forte, não tendo se tornado monstros. E ainda assim, são os mais fracos, pois a Besta incessantemente força as barras de sua prisão, sabendo que com o tempo elas irão ceder. Os mais velhos isolam-se de sua raça, temendo o dia no qual poderão vir a tornar-se monstros e entretendo-se com jogos paranóides de gato e rato, nos quais usam os Membros mais jovens como peças.

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